"Um golpe na auto-estima feminina em tempos anoréxicos, a celulite, já foi retratada por Renoir como um componente estético e inerente à feminilidade. De acordo com a experiência clínica da Dra. Lúcia Arruda, Dermatologista e Promotora Científica da Regional do Estado de São Paulo da Sociedade Brasileira de Dermatologia, a celulite chega a atingir 80% das mulheres com mais de 35 anos de idade. Em diferentes estágios, ela está presente em praticamente todo o universo do proclamado sexo frágil, sendo bastante rara em homens. Com baixo interesse por parte da comunidade científica, este problema predominantemente estético segue sem tratamentos cientificamente comprovados e dá margem às soluções milagrosas oferecidas pela indústria de cosméticos".
O Que é Celulite e Como ela Atinge as Mulheres
Segundo o Dicionário de Medicina Natural, editado pelo Reader´s Digest, o termo celulite foi utilizado por médicos franceses para o que acreditavam ser uma forma de gordura que se acumula principalmente no corpo das mulheres, localizada nas coxas, nas nádegas, nos braços e no abdome, adquirindo uma aparência áspera e com pequenas depressões.
O Dicionário reconhece que a celulite é especialmente freqüente após a menopausa e que é difícil de eliminar. "Profissionais de saúde e de beleza acreditam que a causa seja uma concentração de toxinas nos tecidos do corpo, que cria bolsas de água, gordura e impurezas, causando distúrbios na circulação. Esta teoria é controversa e muitos médicos não acreditam que a celulite seja uma forma especial de gordura, não a reconhec
endo, em alguns casos, como uma situação de âmbito médico", pondera a publicação.
"O que conhecemos como celulite, do ponto de vista científico, é denominada por Lipodistrofia Ginóide. Trata-se de uma alteração que ocorre no tecido gorduroso, e se chama ginóide porque é freqüente entre mulheres. Consiste na aparência de aspecto ondulado da pele, que pode, dependendo do grau, apresentar depressões. A celulite é uma inflamação do espaço ao redor das células adiposas". relata a Dra. Lúcia, em entrevista exclusiva a esta reportagem. Ela explica que a celulite não diz respeito a um processo de aumento de gordura, embora esteja muito relacionada à obesidade. Ela aparece entre pessoas de peso normal e até mesmo entre as que estão abaixo do peso.
Ainda a respeito da incidência deste mal, a Dra. Lúcia Arruda considera que as mulheres brancas estão mais suscetíveis à celulite do que as negras, e que, embora não haja relação comprovada com a condição sócio-econômica, há uma relação clara com o tipo de alimentação. "Uma alimentação equilibrada e atividade física regular tem uma influência de até 70% no resultado dos tratamentos", afirma.
A Celulite, Alteração Multifatorial, é Originária da Própria Condição Hormonal Feminina
Quanto às causas da celulite, elas são várias e associadas. Segundo a Dra. Lúcia, o que leva à celulite é uma alteração com características hereditárias, ou seja, existe uma predisposição genética associada ao próprio hormônio feminino, que se soma a um problema de alteração circulatória local, também relacionado a uma diminuição da drenagem linfática natural. A soma destes fatores resulta no aparecimento desta aparência da pele, que chamamos de celulite, comum nas covas das ancas, coxas, nádegas e abdômen.
De acordo com um site português sobre o tema, a celulite se desenvolve na parte mais superficial das três camadas de gordura existentes abaixo da epiderme e derme, conhecida como hipoderme ou camada subcutânea de gordura. Segundo este site, "As células de gordura na hipoderme estão organizadas em câmaras de fios de tecido conjuntivo. A armazenagem de gordura e o metabolismo das células adiposas reagem apenas aos hormônios, e não às dietas ou exercício".
Estas células adiposas, presentes nas duas camadas de reserva de gordura, se encontram por baixo da hipoderme e estão dispersas numa rede solta. Dependendo da dieta e do exercício, é variável o grau de armazenagem de gordura e de metabolismo nestas camadas. Nas mulheres, esta camada subcutânea de gordura está organizada em câmaras vericais, ao passo que nos homens, se organiza diagonalmente, e em pequenas unidades que, além de acumularem menos gordura, não resultam em celulite.
Diante destas diferenças morfológicas, nas mulheres as células adiposas se alargam, em função da acumulação de gordura. As paredes capilares tornam-se excessivamente permeáveis, causando a acumulação localizada de fluidos, que não conseguem ser eliminados em função de uma drenagem linfática insuficiente. Com isso, as células adiposas agrupam-se e ficam ligadas por fibras de colágeno, impedindo a corrente sanguínea, provocando o endurecimento e contração dos fios do tecido conjuntivo, que puxam a pele para baixo, resultado no aspecto irregular que conhecemos por celulite.
Em especial, relaciona-se a celulite aos hormônios femininos, pois se observa que ela se desenvolve durante os períodos de mudança hormonal, tais como a puberdade, a menopausa, a síndrome pré-menstrual, a gravidez e durante o início do uso da pílula.
Os hormônios comandam mudanças na circulação sanguínea, na drenagem linfática, na gordura e no tecido conjuntivo, o que provoca a formação da celulite. Também se atribui a celulite ao aumento de peso, má nutrição, quantidade insuficiente de água ingerida e sedentarismo, que se não são causas do mal, provocam a sua piora com o passar dos anos. A idade é acompanhada de perda de consistência e tonalidade do tecido conjuntivo, o que torna a celulite mais visível e flácida.
"A celulite é multifatorial. E o fator hormonal, o mais importante, não pode ser excluído. Da mesma forma, é inviável parar o tempo, outro fator que influencia no aparecimento e agravamento da celulite. Por isso, não é possível curar a celulite. Ela é progressiva - piora com a idade - e incurável. Não dá para criar esta expectativa nos pacientes... Dá para melhorar sua aparência, apenas" pondera a Dra. Lúcia, que também acrescenta que "que algumas coisas fazem parte do envelhecimento. Não dá para esperar que uma pessoa de 50 anos tenha uma perna de 18 anos. Mas dá para ser uma cinquentona bonitona...", consola.
Tratamentos Ainda não Contam com Embasamento Científico
A falta de trabalhos científicos que comparem a eficácia dos tratamentos é um dos grandes problemas vistos pela Dra. Lúcia para que o atendimento a esta demanda seja atendida por profissionais. "Não estão tendo trabalhos científicos, de peso, que confirmem o resultado e a eficácia dos diferentes tratamentos presentes no mercado", acusa. Ela explica que isso se deve ao fato da celulite ser uma disfunção causada por múltiplos fatores, difícil de ser mensurada. Os diagnósticos, explica a médica, não são precisos.
A termo-regulação, utilizada para medir a alteração térmica da pele, não pode ser arquivada para ser comparada com exames posteriores, e é um sistema influenciado pela temperatura ambiente e pela temperatura do próprio paciente. "Teoricamente, no lugar onde há mais celulite há menor atividade circulatória, o que pode ser medido por um sistema térmico, mas existem muitas variáveis que influenciam no resultado, o que prejudica a utilização deste método como diagnóstico científico e que permita a comparação de resultados antes e depois de um determinado tratamento", esclarece a especialista.
O mesmo ocorre com a fotografia, avalia a Dra. Lúcia, pois é difícil tirar duas fotos em épocas diferentes com exatamente a mesma quantidade de luz e no mesmo ângulo, tornando a quantificação de resultados muito difícil.
Para que um dos diversos métodos de tratamento da celulite tivesse comprovação científica, seria necessário o uso da metodologia científica, esclarece a médica. Seria, portanto, necessário separar um grupo significativamente grande, dividi-lo em dois e comparar o uso do método pesquisado com um grupo ao passo que o outro grupo estivesse sendo tratado com placebo, sem que nem médicos nem pacientes soubesse quem está usando o quê.
Assim, seria possível excluir as influências psicológicas e as avaliações tendenciosas. Seria necessário também que os parâmetros de medição de melhora fossem confiáveis. "Depois de feito o tratamento nestes dois grupos, se abririam os protocolos de pesquisa para se saber que grupo usou o quê e, somente então, descobrir se houve uma melhora significativa ou não, do ponto de vista estatístico", relata a cientista.
"A pesquisa científica sobre celulite é difícil, porque tem muita variável e não chama a atenção dos médicos, que não a vêem como uma doença. A comunidade médica ainda não encara estas alterações estéticas como uma melhora de qualidade de vida...", lamenta a dermatologista, que acusa: "Há uma linha, entre os médicos, que acha que isso é perfumaria. As coisas têm avançado, mas muito lentamente".
Tratamentos Possíveis
Massagens modeladoras, drenagens linfáticas, correntes russas, eletrolipoforese, infravermelho, ultra-som, mesoterapia, lipoaspiração, lipoescultura, cremes, pílulas, cirurgias... O manancial de armas contra a celulite é enorme e produz muito dinheiro para a indústria que explora a angústia feminina diante dos quase inevitáveis furinhos no bumbum. Para a ciência, nenhum destes métodos está comprovado. De acordo com a Dra. Lúcia, é preciso, em primeiro lugar, diferenciar alguns dos tratamentos: lipoaspiração e lipoescultura, esclarece, são técnicas cirúrgicas, invasivas e que não tem por objetivo tratar a celulite, mas reduzir medidas. "Todos os métodos são tentativas de melhorar o aspecto da pele e de agir nas várias etapas que causam a celulite", ensina a médica.
Partindo deste raciocínio, as drenagens linfáticas (tanto por aparelhos quanto manuais) podem ser úteis ao ajudar a drenar os líquidos que se acumulam nas pernas, assim como todos os tratamentos que ajudam o sangue a circular melhor também podem apresentar resultados. De acordo com a Clínica Estética Onodera, rede de franquias estabelecida em São Paulo, a drenagem linfática mecânica que eles oferecem é aplicada através de um aparelho que utiliza correntes elétricas seqüenciais, gerando movimentos ascedentes que ativam a circulação sangüínea e linfática.
A drenagem manual, explica a clínica, age no sentido de ativar, limpar, regular e nutrir os tecidos. "A aceleração da Drenagem Linfática renova o líquido intersticial, renova a capacidade de autodefesa e autopurificação do corpo-humano. Além disso, promove bem estar e relaxamento total", define a empresa em seu site. A drenagem linfática é de fato indicada para pré e pós-cirurgia plástica, edemas e no combate à celulite, entre outras indicações.
A mesoterapia com agulhas, por exemplo, programa que vem sendo anunciado com sucesso pelas clínicas estéticas, é um procedimento antigo, usado para outros fins. Consiste, segundo informações da rede de franquias paulistana Estética Onodera, na injeção de enzimas nas regiões do corpo com maior incidência de gordura localizada e celulite. Trata-se de um procedimento que só deve ser feito por médicos especializados (é dolorido e causa hematomas). Custa, em média, R$ 80,00 por aplicação. Em geral, as clínicas estéticas anunciam pacotes de no mínimo 10 sessões. Também existe uma técnica, chamada na Onodera de Mesojet, que usa uma pistola eletrônica sem agulhas. Ela permite a penetração de produtos naturais através da via transdérmica.
Eletrolipoforese, também segundo a Estética Onodera, que mantém um site na Internet, significa a aplicação, através de um aparelho, de correntes polarizadas que promovem o aumento da atividade celular. Através de eletrodos de silicone condutivo, há promessas de melhora do fluxo linfático e sangüíneo, que, anuncia a estética, produziria a dissolução dos nódulos de celulite.
Outra técnica bastante popular é a do Ultra-som. De acordo com a clínica estética, as ondas ultra-sônicas possuem a capacidade de aquecer em profundidade os tecidos humanos. Associando-a com enzimas, acredita-se que haja eficácia no tratamento da celulite.
A Onodera também anuncia um aparelho de corrente galvânica, o Cells-Trat, cujo objetivo é melhorar a circulação venosa e linfática. Ele causa um aumento da atividade diurética, ativa o metabolismo e promete reduzir volume e medidas.
Outro processo anunciado para combater a celulite - e, de quebra, a gordura localizada e a flacidez - é a Crioterapia. É definido pela aplicação de uma solução a base de cânfora e mentol nas áreas atingidas, provocando uma queda de temperatura local. "Com isso, o organismo utiliza os lipídios de reserva para recuperar seu equilíbrio térmico, e desta forma há redução de volume onde as bandagens foram aplicadas. O choque térmico sobre a pele provoca a retração das fibras dos tecidos da derme reduzindo a flacidez. O aumento da circulação sangüínea favorece a drenagem linfática auxiliando na melhora do quadro celulítico", anuncia a Onodera.
Entre outras técnicas, existe ainda a Endermoterapia, anunciada pela Onodera como um sistema "atual e eficaz no tratamento de celulite e modelagem", também indicado para a recuperação pós-operatória da lipo-aspiração. Trata-se de mais um equipamento que massageia a pele com movimentos de sucção e rolamento, que promete ativar a circulação e corrigir as irregularidades da pele.
Técnica Inovadora Resulta em Prêmio para Médica Brasileira
Um tratamento mais novo, chamado Subcision, conhecido por cirurgia de incisão subcutânea vem rendendo prêmios aos médicos brasileiros. Segundo a Dra. Lúcia, esta técnica consiste em anestesia local e método de descolamento da fibrose que existe no nível do tecido adiposo. Trata-se de um procedimento de pequeno porte, ambulatorial.
Menos agressivo que um procedimento cirúrgico, como a lipoaspiração, o Subcision é mais agressivo que a mesoterapia. Talvez este seja um dos primeiros tratamentos que está permitindo a documentação científica da melhora nos pacientes, acredita a Dra. Lúcia. Contudo, ele está indicado para um grau de celulite que tem retração, não é para os primeiros graus. Ele também é bem localizado, não sendo aplicado na coxa inteira, mas apenas nos pontos mais atingidos.
A médica brasileira Dóris Hexsel, também membro da Sociedade Brasileira de Dermatologia, recebeu um prêmio da Academia Americana de Cirurgia Cosmética, em reconhecimento ao seu trabalho sobre o tratamento da celulite através do método Subcision. O troféu intitulado Excelência em cirurgia cosmética foi dado à dermatologista durante o 17º Congresso da Academia, que ocorreu de 08 a 12 de fevereiro de 2001, em San Diego, Califórnia (EUA).
A técnica foi publicada nos Anais Brasileiros de Dermatologia em 1997, edição nº 72 (01), páginas 27 a 32 e, posteriormente, no International Journal of Dermatology (ano 2000). As médicas já realizaram também mais de dez cursos no Brasil e no exterior, onde demonstraram o procedimento.
Segundo release distribuído pela Sociedade Brasileira de Dermatologia, que divulgou o feito da médica brasileira, "O novo tratamento representou um importante avanço na cirurgia cosmética, mais especificamente no tratamento da celulite. O uso da técnica também é útil na correção de alterações do relevo do corpo que acontecem após a lipoaspiração".
Os cremes, lucro certo para a indústria cosmética, também não têm comprovação científica. Com custos muito variáveis, eles exigem disciplina nas aplicações, que, na maioria, devem ser de três vezes ao dia e durar cerca de 15 minutos. De acordo com a Dra. Lúcia, a absorção de suas fórmulas pela pele não é comprovada, embora eles possam, sim, provocar uma melhora na aparência da superfície da pele, no mínimo por torna-la mais hidratada.
"Mas se você fizer só isso e não entrar em um programa de reeducação alimentar e também em um programa de exercícios e se não se mantiver neste programa para o resto da vida, não terá resultado. A celulite, um processo progressivo, precisa de tratamento permanente", define a dermatologista.
"Uma pessoa que não tiver dinheiro para investir nestes tratamentos estéticos, mas iniciar uma atividade física regular e entrar em uma dieta equilibrada terá uma melhora de 60% da sua celulite", afirma a Dra. Lúcia. "Mas as pessoas se enganam muito, dizendo que vão fazer musculação e não levam o exercício a sério. É preciso disciplina. Não tem milagre", avalia.